sábado, 24 de abril de 2010


A Rosa azul

Hoje faz todo sentido partilhar aqui uma lenda portuguesa sobre um dos símbolos centrais da época do Romantismo - a flor azul. Para quem não sabe, a flor azul não existe. Mas seu significado todos devem saber, principalmente seus apreciadores.

"No Mosteiro da Cartuxa, no Buçaco, em Portugal, vivia, em séculos que já se foram, um piedoso e santo monge, cuja vida se consumia, inteira, entre a oração e as rosas. Jardineiro da alma e das flores, passava ele as manhãs de joelhos, no silêncio da nave, aos pés de um Cristo crucificado, e as tardes, no pequeno jardim da ordem, curvado diante das roseiras, que ele próprio plantava e regava.

A sua paciência de jardineiro era absorvida, entretanto, por uma idéia, que era um sonho: encontrar a rosa azul das lendas do Oriente, de que tivera notícia, uma noite, ao ler os poemas latinos dos velhos monges medievais.

Para isso, casava ele as sementes, os brotos, fundia os enxertos, combinando as terras, com que as cobria, e as águas, com que as regava, esperando, ansioso, o aparecimento, no topo da haste, do sonhado botão azul!

Ao fim de setenta anos de experiências e sonhos, em que se lhe misturavam na imaginação as chagas vermelhas de Cristo e as manchas celestes da sua rosa encantada, surgiu, afinal, no coroamento de um galho de roseira, um botão azul, como o céu.

Centenário e curvado, o velhinho não resistiu à emoção; adoeceu, e, conduzido à cela, ajoelhou-se diante do Crucificado, pedindo-lhe, entre soluços pungentes, que, como prêmio à santidade da sua vida, não lhe cerrasse os olhos sem que eles vissem, contentes, o desabrochar da sua rosa azul.

Em volta do santo velhinho, no catre do mosteiro, todos choravam, compungidos.

E foi, então, que, divulgada de boca em boca, foi a notícia ter a um convento das proximidades, onde jazia, orando e sonhando, uma linda infanta de Portugal. Moça e formosa, e, além de formosa e moça, - fidalga e portuguesa, compreendeu a pequenina freira, no jardim do seu sonho, o valor daquela ilusão, e correu à sua cela, consumindo toda uma noite a fazer, com os seus dedos de neve, uma viçosa flor de seda azul, que perfumou, ela própria, com essência de gerânio.

E no dia seguinte, pela manhã, morria no seu catre, sorrindo entre lágrimas de alegria, por ter nas mãos trêmulas, por um milagre do céu, a sua rosa azul!"

A flor azul representa, assim, a luta metafísica pelo infinito e inalcançável, e sentimentos como a gratidão, o respeito, a admiração, a apreciação, o desejo e o amor (muitas vezes platônico).

As nossas mãos poderão nunca criar fisicamente uma flor azul, mas o nosso coração e a nossa alma podem fazer com que a flor azul exista.
Muita paz e força...

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